A Obra-Prima Inacabada de Peterson: O desafio de mapear vícios e distúrbios em função da má utilização das forças de caráter

Esp. Leo Vasconcelos e Msc. Olivia Maria Klem Dias

A publicação do CharacterStrengthsandVirtues em 2004 por Chistopher Peterson e Martin Seligman foi um marco importante na Psicologia Positiva e uma pedra angular no estudo científico sobre o florescimento humano.

Uma sequência desse trabalho considerado por Seligman (2015) de “A Obra-Prima Inacabada de Peterson” seria mapear vícios, distúrbios, desvios ou patologias da condição humana em função da ausência, do excesso e da oposição direta das 24 forças de caráter inventariadas por ambos. Dessa forma, Peterson propôs que haveria um enriquecimento na compreensão das psicopatologias se a ciência psicológica encontrasse uma relação mais clara entre estas e a má utilização das forças (HALL-SIMMONDS; MCGRATH, 2017).

A má utilização das forças no mapeamento de Peterson se configura de três maneiras: ausência, excesso e oposição. A ausência pode ser entendida como uma subtilização (underuse) das forças e o excesso (overuse) como uma sobreutilização, configurando um mesmo continuum, já a oposição é um antagonismo direto com uma determinada força. Onde se pode observar uma clara influência da Doutrina do Meio-Termo de Aristóteles.

A partir da pergunta pelo que há de bom no ser humano, os filósofos gregos, em particular Aristóteles, começaram a estudar as virtudes. Uma pessoa virtuosa seria uma cujos traços de caráter expressassem suas qualidades, em consonância com as virtudes.

Em seu manual CharacterStrengthsandVirtue, Seligman e Peterson retomaram a doutrina aristotélica das virtudes ressaltando a sua ênfase na ideia do “caminho do meio”.

Para Aristóteles, o desenvolvimento das virtudes se dava por meio da aprendizagem. O caráter virtuoso é constituído a partir da interação da racionalidade do sujeito, das suas experiências passadas e do seu contexto. Nestas condições, o sujeito deve definir o curso de sua ação escolhendo o caminho do meio entre os extremos de excesso e ausência da virtude em questão. O indivíduo corajoso é aquele que escolhe o caminho do meio entre a covardia e a temeridade (ARISTÓTELES, 2014). 

O caminho do meio deve sempre ser o escolhido pelo homem virtuoso independentemente da virtude em questão. Segundo Aristóteles, o bem jamais pode ser encontrado na ausência ou no excesso da virtude. Estes extremos são denominados pelo autor como vícios.

A classificação dos 72 vícios, como Seligman (2015) ressalta, é uma obra inacabada e passível de muitas críticas. Dentre elas, a mistura de termos técnicos de psicologia com termos leigos do vernáculo comum, a aplicabilidade de todos os termos como condições clínicas, assim como suas limitações transculturais.

A tradução da tabela de Peterson para português brasileiro é uma forma de levantar a discussão sobre a dinâmica das forças de caráter no cenário acadêmico de Psicologia Positiva no Brasil. A tabela traduzida se encontra no Anexo 1 e seguem abaixo alguns dos termos utilizados na mesma.

Classificada como o excesso da força da perspectiva, a expressão da língua inglesa “ivorytower” (literalmente, em português, “torre de marfim”) designa a postura do intelectual que se ocupa de pensamentos e discussões desvinculadas da realidade objetiva, sem se preocupar com as questões práticas do dia a dia. Por isso, optamos por utilizar o termo “academicismo” para traduzir o significado desta expressão para a nossa língua.

Contextos de mudança repentina ou de instabilidade na ordem social, segundo o sociólogo E. Durkheim (2000), caracterizam estados de anomia. A anomia é o estado no qual se encontra enfraquecido o corpo de normas sociais capazes de regular as condutas individuais, como consequência, os vínculos entre os sujeitos são enfraquecidos. Para Peterson, a anomia exemplifica a ausência de espiritualidade.

O excesso de gratidão foi representado pelo termo “ingratiation”, que optou-se aqui por traduzir como “ser manipulador” e “adulação”. O conceito vem da psicologia social e se refere a um conjunto de estratégias de persuasão ou manipulação para fazer com que uma determinada pessoa goste de nós. Michener, DeLamater e Myers (2005, p. 277) enumeram algumas dessas táticas como: “conformidade de opiniões (ou seja, fingir que se compartilha as opiniões com a pessoa-alvo em questões importantes), o enaltecimento do outro (bajular diretamente ou elogiar a pessoa-alvo), a auto apreciação seletiva (exagerar nas qualidades admiráveis de si mesmo ou fingir modéstia e a súplica (convencer os outros de que você é merecedor).”

O traço de personalidade “SensationSeeking” foi traduzido como “busca por sensações”. Ele foi caracterizado como a ausência da força prudência. Zuckerman (1994) define esse traço pela “busca de novidade, variedade, complexidade e intensidade nas sensações e experiências, e a disposição de correr riscos sociais, legais e financeiros para obter essas experiências”. Indivíduos caçadores de emoções tendem a se envolverem mais em comportamentos como direção perigosa, esportes radicais, abuso de drogas, sexo de risco, crimes e comportamentos antissociais.

 A investigação sobre o aspecto dinâmico das forças de caráter configura-se como uma nova área de estudo, e mesmo não seguindo estritamente as categorias de Peterson, a ideia de que zonas ótimas de exercício das forças, seguindo a média de ouro de Aristóteles, vêm ganhando respaldo empírico. Inclusive com o desenvolvimento de um instrumento psicométrico específico Overuse,Underuse,Optimal-Use of Character Strengths Scale (OUOU), obtendo-se correlações significativas entre o uso ótimo das forças e indicadores como florescimento e satisfação com a vida (FREIDLIN; LITTMAN-OVADIA; NIEMIEC, 2017).

Dessa forma, a pesquisa contemporânea da psicologia das forças de caráter reencontra a antiga sabedoria grega da inscrição do Templo de Apolo na cidade de Delfos: MēdénÁgan (nada em excesso).

REFERÊNCIAS:

ARISTOTELES. Ética a Nicômaco. Tradução, textos adicionais e notas Edson Bini. 4. ed. São Paulo: Edipro, 2014.

DURKHEIM, E. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

___________. O suicídio. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

FREIDLIN, P., LITTMAN-OVADIA, H., & NIEMIEC, R. M. Positive psychology: Social anxiety via character strengths underuse and overuse. Personality and Individual Differences, 108, 50-54, 2017.

HALL-SIMMONDS, A., & MCGRATH, R. E. Character strengths and clinical presentation. Journal of Positive Psychology. p.1-10, 2017.

MICHENER, H. A., DELAMATER, J. D., & MYERS, D. J. Psicologia social. São Paulo, SP: Pioneira Thomson Learning, 2005.

PETERSON, C., & SELIGMAN, M. E. P..Character strengths and virtues: a handbook and classification. Washington, DC: American Psychological Association, 2004.

QUINION, Michael. On Ivory Tower. WorldWideWords.org. Disponível em: <http://www.worldwidewords.org/qa/qa-ivo1.htm>. Acessadoem: 05/05/2018.

ZUCKERMAN, Marvin. Behavioral expressions and biosocial bases of sensation seeking. Cambridge universitypress, 1994.

 

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