RIO e SÃO PAULO – Eduardo, Cristiellen, Lucas, Tamela, Bárbara e Gabriel fazem parte de uma geração de jovens que chega ao mercado de trabalho na maior crise econômica do país em um século. Cinco milhões de brasileiros, de 14 a 24 anos, estão em busca de emprego, segundo os dados mais recentes do IBGE. Eles representam 42% do total de desempregados do país. O GLOBO acompanhou esses seis jovens por seis meses. Eles mostram que o sucesso ou a frustração na saga por uma primeira oportunidade não é explicada apenas pela conjuntura econômica. Os obstáculos vão desde o nível de instrução e a área que abraçaram até a personalidade, moldada pelo ambiente em que cresceram. Passam ainda por barreiras impostas pelos empregadores, como um visual fora do padrão e a distância entre casa e trabalho.
É consenso entre especialistas que, quanto maior a escolaridade, maior a chance de conseguir emprego e ganhar mais. No entanto, para o jovem, ter passado pelos bancos escolares ou ter um diploma não é garantia de ingresso no mercado de trabalho, um dos ritos de passagem para a vida adulta. Pesa sobre eles a falta de experiência. Esse é um dos fatores que os torna o grupo mais penalizado na crise. Eles não apenas têm as maiores taxas de desemprego — um em cada quatro jovens de 18 a 24 anos está sem trabalho — como foram os que mais perderam renda.
Queda maior na renda dos mais jovens
Levantamento feito pelo economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social e ex-presidente do Ipea, mostra que, no segundo trimestre deste ano, a renda média real dos jovens de 15 a 19 anos havia caído 13,6%, mais que o dobro da média geral (5,6%), em comparação com igual período do ano passado. Para os de 20 a 24 anos, a renda encolheu 9,2%. Na faixa etária de 25 a 29 anos, a queda foi de 7,8%.
— A vida do jovem no mercado de trabalho, mesmo com educação, não é fácil. Mas sem educação seria muito mais difícil. Historicamente, a taxa de desemprego é sempre mais alta para esse grupo, seja pela falta de experiência ou pela elevada rotatividade, pois ele sempre quer experimentar coisas novas. O jovem é irrequieto. Até certo ponto essa busca é saudável — diz Neri.
Essa inquietação é exacerbada nos jovens que nasceram na década de 1990, a chamada Geração Z. Imersos em um mundo digital, foram criados em uma sociedade marcada pelo imediatismo. Buscam resultados rápidos e são capazes de recusar oportunidades porque o salário é baixo, mesmo estando desempregados.
— A Geração Z nasce em uma sociedade marcada pelo mito do enriquecimento rápido e do sucesso imediato. Isso faz o jovem acreditar no crescimento meteórico e que aquele que não seguir esse caminho está inadequado. Por isso, muitos esperam o que seria a hora certa para atingir seus objetivos e acabam rejeitando oportunidades — diz o filósofo e escritor Mario Sergio Cortella.
Esses jovens cresceram num momento em que a economia brasileira prosperava. A crise foi um banho da água fria nas suas expectativas e eles tiveram que aprender a lidar com a frustração de não encontrar emprego ou ter de fazer um desvio de rota. Dos seis jovens que o GLOBO acompanhou, metade está desempregada. Os outros três conseguiram trabalho em áreas distintas das que desejavam.
Bárbara fez curso técnico de Turismo e hoje trabalha como auxiliar administrativa. Gabriel fez curso técnico de Administração de Empresas, mas virou porteiro. Lucas formou-se em Relações Internacionais e acabou numa empresa de games. O engenheiro civil Eduardo e as jovens Cristiellen e Tamela, ambas com ensino médio, continuam desempregados.
É comum o jovem, ao não encontrar trabalho em sua área, ser pouco seletivo e disparar para todos os lados, mesmo sem ter o perfil desejado para as vagas pretendidas. Cada não que ele escuta, porém, pode minar ainda mais sua disposição de seguir em frente, avalia Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio de Janeiro. Para Sardinha, falta paciência aos jovens para entender que, às vezes, é preciso “dar um passo para o lado”, ou seja, aceitar um emprego mesmo que não seja o dos sonhos:
— A entrada no mercado tem de ser encarada como uma oportunidade de ter a própria independência. É legítimo o sonho de poder trabalhar com o que se gosta, mas existe uma fantasia sobre esse ser o único caminho.
Tempo de espera por vaga ultrapassa nove meses
A falta de perspectivas de uma vaga na sua área de formação levou Eduardo Buys, de 27 anos, a sobrevoar o Oceano Atlântico, rumo aos Estados Unidos, exatamente um ano após ter recebido o diploma de Engenheiro Civil pela UFRJ. Ele desembarcou em Nova York no fim de setembro. Na bagagem, levou a expectativa de compensar a falta de oportunidades de trabalho no Brasil ganhando experiência de vida.
— Na minha área não surgiu nada nesse tempo todo. É zero vaga. E, se surge para um amigo, é porque alguém o indicou. Não estou conseguindo esses contatos. Depois de estudar por tanto tempo, é frustrante. Mas temos de entender que o momento do país não é o melhor e não vai melhorar tão cedo. Por isso, enquanto essa maré ruim não passa, vou aprender outra língua, outra cultura. Assim, não saio perdendo — diz o engenheiro civil, ressaltando que contou com o apoio dos pais.
Mais jovens como Eduardo ficaram desempregados durante a recessão. E passaram a viver nessa condição por muito mais tempo. Levantamento exclusivo feito pelo Dieese mostra que o tempo médio de procura por trabalho entre pessoas de 16 a 29 anos das regiões metropolitanas de São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza e Brasília aumentou em dois meses e meio nos últimos três anos. Em setembro de 2013, o jovem aguardava sete meses por uma oportunidade. Em setembro deste ano, a espera já chegava a nove meses e meio. À medida que o tempo passa, aumenta a frustração de quem sonha em arranjar um emprego.
— O desemprego de longa duração dificulta a trajetória profissional desses jovens e os coloca em situação de perigo social. Quando a juventude tem dificuldade no mundo do trabalho, ela recorre à escola. E quando não há essa alternativa, como hoje, em que os próprios jovens questionam a qualidade do ensino, vide a ocupação das escolas, ele recorre à inatividade. Temos uma juventude sem esperança. Economicamente é um desperdício. O futuro do país foi colocado em xeque — analisa Lúcia Garcia, coordenadora técnica do Sistema Pesquisa de Emprego e Desemprego do Dieese.
MATURIDADE PARA LIDAR COM A FRUSTRAÇÃO
Fausto Augusto Junior, coordenador de Educação da entidade, diz que esse aumento do tempo de procura é anormal e reflete a deterioração da renda das famílias. Ele acredita ser papel do Estado retardar a entrada do jovem no mercado de trabalho, para que ele permaneça mais tempo na escola:
— Com as condições financeiras das famílias agravadas com a recessão, muitos jovens foram empurrados precocemente para o mercado. O jovem não sai da escola porque ela é ruim, mas porque é impelido a ir procurar emprego. E, nesse momento em que há menos vagas disponíveis e mais gente procurando, aumenta o tempo do desemprego.
Eduardo de Oliveira, superintendente educacional do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), recomenda que, diante da escassez de recursos, os jovens procurem cursos à distância oferecidos de forma gratuita, que incluem ensino de línguas estrangeiras, técnicas de administração, marketing de vendas e conteúdos específicos para determinadas áreas.
Para a psicóloga Monica Portella, associada ao Instituto Internacional de Psicologia Positiva, falta ao jovem de hoje capacidade para lidar com a frustração na busca por uma vaga:
— Essa geração é imediatista, acredita que basta apertar um botão para conseguir o que quer. Mas o mundo real não é assim. É preciso desenvolver resiliência, a capacidade de se frustrar e sair fortalecido da situação. Uma competência que é aprendida ao longo da vida e que os jovens de hoje têm muito pouco desenvolvida.
‘É O QUE TEM PARA HOJE’
Nos dois últimos anos de faculdade, Eduardo estagiou em uma construtora. Mas, ao concluir o curso, em vez de ser efetivado, foi dispensado, pois o mercado para o setor já havia encolhido:
— Até tentaram me colocar como auxiliar de engenharia depois que me formei. Sabia que ia ganhar um pouco menos do que esperava, mas era o que tinha. Mas nem isso rolou, porque apenas duas das quatro obras previstas saíram do papel — conta o jovem engenheiro.
Para tornar os meses de espera por uma outra oportunidade menos angustiantes e não perder a autoestima, Eduardo passou a ajudar os pais na loja de conveniência da família, localizada na Barra da Tijuca. Ficou responsável pela reposição de estoques. Eduardo também se aventurou na ocupação da moda. Em maio, fez um bico como motorista do Uber usando o carro do irmão, que já era cadastrado no serviço. Mas, em vez de uma renda extra, acabou levando um grande susto. Na segunda semana, se envolveu em um acidente de trânsito na Avenida Brasil:
— Não me machuquei, mas o carro foi para a oficina e lá ficou um bom tempo. Voltei a ajudar meus pais na loja.
Especialistas recomendam seguir com projetos paralelos. Afinal, a vida continua. Gabriel Durans, de 19 anos, concluiu o ensino médio no fim de 2014. Com um diploma de curso técnico em administração pelo Senac em mãos, participou de processos seletivos de grandes empresas por quase um ano e meio.
A única porta que se abriu foi a de um prédio residencial em Icaraí, Niterói, onde trabalha como porteiro desde maio. Gabriel vê o emprego, que lhe rende R$ 1.200 mensais, como algo temporário e alimenta o sonho de cursar uma faculdade. Enquanto não consegue, dá aula de bateria para garantir uma renda extra e acaba de gravar o primeiro clipe de sua banda, a Pro X, que toca músicas evangélicas:
— Sempre busquei minha independência financeira. Quando estava na escola, vendia salgado. Ser porteiro não é o que queria. Mas é o que tem para hoje. Em paralelo, faço apresentações em igrejas com minha banda. Isso me faz bem. Nosso próximo passo será gravar um CD.
Além de ajudar a reduzir a angústia, especialistas afirmam que o envolvimento em projetos, de cunho social ou hobbies coletivos, amplia a rede de relações interpessoais, o que pode acabar sendo um atalho para uma vaga. Mal não faz.