Como identificar a mentira no Processo Seletivo

Na sociedade ela é um “patinho feio”: a mentira. Contudo, em geral, as pessoas mentem em 25% de suas interações, o que é muita coisa. Supostamente, duas são as razões: se proteger de uma possível punição ou proteger algo ou alguém de quem se goste muito. O termo “mentira” pode ainda ser encoberto por “exagero” ou “meia-verdade”.

Nos processos seletivos as estatísticas indicam que é crescente o número e a diversidade de mentiras que são praticadas para se vencer o concorrente e atingir o objetivo do emprego. “Para se mostrar da melhor forma possível, alguns candidatos tendem a exagerar em algumas características que tem ou, o que é muito perigoso, podem revelar algo que, na verdade, não têm; mas o recrutador bem treinado pode identificar qualquer sinal verbal ou não-verbal de mentira”, afirma Mônica Portella, Doutora em Psicologia Social e Cognitiva e autora do livro “Como Identificar a Mentira” (Qualitymark Editora).

Existem, segundo Mônica, três grandes grupos de sinais que dão pistas seguras da mentira: o gestual, o facial, e o pára-linguístico. Para se afirmar com margem de segurança acima de 90% que uma pessoa está mentindo, é necessário, porém, que ela apresente um conjunto de sinais não-verbais dos três grupos distintos, e não apenas um sinal isoladamente. Ou seja, apenas gaguejar, ou apenas corrigir informações (cometendo o chamado ato-falho), ou apenas fazer com as mãos gestos em direção oposta ao que se está dizendo não configuram, sozinhos, a certeza de que ali há um mentiroso. Sozinho, cada sinal é apenas um indicativo.

Carioca, 40 anos, Mônica é uma das Coordenadoras do CPAF-RJ (Centro de Psicologia Aplicada e For­mação do Rio de Janeiro – www.cpa­frj.com), que realiza treinamento com diversas empresas para lidar com a “mentira” em ambiente organizacional. Ela residiu em São Francisco, na Califórnia (EUA), por dois anos, onde também estudou as diferenças entre os sinais não-verbais de diferentes culturas para identificar a “Mentira”.

Dentro do grupo de sinais gestuais Mônica cita, por exemplo, os gestos ilustradores, aqueles que fazemos com as mãos para ilustrar ou reforçar o discurso oral. De acordo com a psicóloga, a pessoa que mente reduz bastante estes gestos, chegando a “travar” ou a segurar as mãos. Segunda reação: os gestos ilustradores em uma pessoa mentirosa podem aparecer atrasados em relação à fala. Terceira: os ilustradores são exibidos contradizendo o discurso, ou seja, a pessoa diz “que ontem fez isso e aquilo” fazendo com as mãos os sinais de amanhã. Conscientemente a maioria das pessoas não sabe quais são os gestos de “hoje”, “ontem” ou “amanhã”. Ninguém planeja. Os gestos são automáticos, simplesmente acontecem.

Há também os Gestos Manipuladores, como arrumar o cabelo, coçar a testa e o rosto, colocar dedo na boca, encobrir a boca com a mão. São mais ligados à ansiedade. Como na mentira o indivíduo fica ansioso, com medo de ser pego, há a tendência de se coçar mais e mais rápido, trocar de pernas a todo o momento, se movimentar muito de um lado para o outro, ajeitar a roupa e a gravata a todo o momento querendo “tirar aquela sujeirinha”.

Um cuidado: quando aumenta o número destes gestos não significa que a pessoa está mentindo. Pode ser mero nervosismo. Detalhe: se for apenas nervosismo passa em 10 ou no máximo 20 minutos. Se indicar mentira, não vai passar e virá acompanhando de outros gestos e sinais. “As pessoas acabam se traindo, mesmo ao achar que estão mentindo muito bem”, alerta Mônica.

Já no grupo da Pára-Linguagem o primeiro sinal de mentiras são as pausas longas e freqüentes na fala. Isso acontece porque a pessoa precisa pensar em qual resposta dará, ou o quê irá fantasiar. Se a pergunta pegar a pessoa de surpresa ela não terá de imediato uma resposta. Geralmente a velocidade da fala na mentira vai se tornar mais lenta, mas há outros “mentirosos” que disparam a falar rapidamente. Há, nesse caso, uma armadilha para identificar o mentiroso: geralmente se forem interrompidos, com outra pergunta, não conseguem retornar ao ponto onde estavam.

Outro ponto importante é o do tom de voz de uma pessoa mentirosa que, em geral, fica mais agudo. “Quando um mentiroso é bom ele repete a pergunta do entrevistador para ganhar tempo de pensar na resposta”, analisa a Coordenadora do CPAF.

Para pegar um mentiroso em contradição uma boa dica é a do recrutador procurar repetir a mesma pergunta que já fez porque, às vezes, a pessoa esquece o que acabou de falar. Contudo, mesmo o recrutador é um ser humano falível e pode, sem querer se envolver com o entrevistado e lhe dar uma dica daquilo que ele precisa ouvir; por exemplo, se perguntar: “Você se considera uma pessoa extrovertida, você gosta do contato com as pessoas?” Este tipo de pergunta, dependendo da entonação, já diz ao indivíduo que tipo de resposta é a “vencedora”.

Um candidato pode até aprender todos esses sinais gestuais e pára-linguisticos treinando para evitá-los. A boa notícia para os recrutadores é que este candidato jamais poderá es­conder os sinais faciais que são transmitidos pelas vias neurais do cérebro. Primeiro: não acredite na frase “quem mente não olha fixo nos olhos”. Olha sim!

Mônica Portella defende em seu livro que, via de regra, o mentiroso fixa os olhos no interlocutor, até para ludibriá-lo. Como desmascarar isso? Segundo ela, basta fazer uma pergun­ta delicada à pessoa que provoque dúvida nela. Geralmente a pessoa mentirosa não consegue manter o olhar fixo; ela foge com o olhar para algum lado, ou para cima, ou para baixo, procurando uma resposta. A quantidade de piscadas pode tam­bém aumentar além do normal em uma atitude de mentira.

E o sorriso, pode esconder uma mentira? Sem dúvida. Para identifi­car o sorriso mentiroso basta seguir um roteiro. Primeiro: observe que este sorriso não provoca marcas expressivas ao redor dos olhos, os chamados “pés de galinha”. Segundo: segundo fica claro que somente uma parte do rosto parece sorrir, a outra parece estar tensa, raivosa ou com nojo. Terceiro: o sorriso forçado aparece e desaparece rapidamente, enquanto o sorriso natural aparece e vai crescendo aos poucos. Um outro sinal de mentira na expressão facial é um rosto assimétrico, com expressões tortas, quando você percebe uma mistura de expressões nos rostos.

Uma boa estratégia, segundo Mônica, para que o entrevistado não perceba que o recrutador “pescou” sua mentira é escalar dois recrutadores para entrevistá-lo: um faz as perguntas e o outro apenas observa as reações do candidato. Mais: ambos se revezam de papel ao longo da entrevista. “Funciona muito, principalmente se considerarmos que uma eventual empatia do recrutador com o entrevistado o cega para o que ele realmente precisa perceber”, esclarece a especialista em mentira na Comunicação Verbal e Não-Verbal.

Mesmo diante de tantas evidências um candidato pode estar de fato nervoso e teme ser confundido com um mentiroso. Neste caso, segundo a psicóloga, ele deve dizer, de imediato, ao recrutador que este tenso e ansioso. Isso o elimina do processo? Não. Ao contrário: ele demonstrará transparência e fará seu nível de ansiedade baixar.