Sinais não verbais da mentira

Psicólogos clínicos têm empregado tradicionalmente sonhos, associações livres, esquecimentos, atos falhos e contradições para descobrir problemas que os clientes ocultam no setting terapêutico

Por Mônica Portella e Maurício Canton Bastos

A mentira pode ser definida como o ato de enganar alguém deliberadamente, sem antes informá-lo de tal intenção. Omitir informação em um jogo de pôquer não significa estar mentindo, pois é esperado que um bom jogador blefe durante a partida. Da mesma forma, um ator não tem a expectativa de que seu público acredite que os sentimentos e emoções expressos durante o seu desempenho são reais.

As mentiras aparecem frequentemente em situações sociais. Otta (1994) enumera algumas destas situações:

  1. as pessoas podem mentir em um jantar quando é servido um prato do qual não gostam. Assim, para não ser desagradável, muitos dizem à dona da casa que a comida é ótima, mas que estão de dieta;
  2. um casal prestes a se separar pode se comportar em público como se tudo estivesse bem;
  3. um político em meio a um caos econômico pode garantir a população que a situação no país encontra-se estabilizada. Esses são exemplos de mentiras contadas no dia a dia, nos encontros e desencontros entre as pessoas.

Por outro lado, a mentira, às vezes, pode ser danosa, perigosa e até mesmo prejudicial para os envolvidos. É fácil imaginar situações onde a mentira gera implicações graves e, portanto, é necessário identificá-la o mais rápido possível. Essas situações são muito diferentes daquelas que envolvem a mentira social.

  1. um juiz ao dar o veredicto de um processo deve estar atento aos sinais indicadores de mentira, para proceder com justiça;
  2. um professor, ao lidar com um aluno que, por diversas vezes, comparece às aulas machucado, poderá aceitar, ou não, a desculpa de que este está sempre caindo, deixando de perceber a situação de violência doméstica;
  3. o empresário a fim de evitar problemas em uma negociação deve ser hábil para reconhecer sinais de mentira em seus colegas e parceiros de negociação;
  4. em um relacionamento afetivo-sexual, quando uma das partes percebe que a outra está escondendo algo sério (como uma traição ou desvio de posses do casal), pode sentir-se mal e sofrer, a continuação da mentira pode levar à quebra da confiança, muita vezes, impossibilitando a continuação do relacionamento.

Para decidir se uma mentira é inofensiva (mentira social), devemos nos perguntar como o nosso interlocutor se sentiria se descobrisse que mentimos. Se pensarmos que o interlocutor interpretaria a mentira como quebra de confiança ou tentativa de tirar vantagem, significa que de inocente a mentira não tem nada. Isto quer dizer, provavelmente, que essa mentira é grave, talvez até mesmo prejudicial. Obviamente que isso não é válido para as convenções sociais e gentilezas (mentiras sociais – sem consequência danosa).

Psicólogos clínicos têm empregado tradicionalmente, sonhos, associações livres, esquecimentos, atos falhos e contradições para descobrir problemas que os clientes ocultam no setting terapêutico. Freud e seus colaboradores se utilizaram de tais indícios para trabalhar as contradições com os seus pacientes. Outras abordagens terapêuticas também se utilizam de técnicas para detectar contradições e trabalhá-las no setting terapêutico (Otta, 1994). O comportamento não verbal aparece como uma fonte de acesso aos estados emocionais do cliente e indica contradições entre o que o cliente diz e o que se manifesta em seu comportamento, sendo que o terapeuta pode empregar tais dados em seu trabalho (Portella, 2006).

Podemos destacar outras situações em que o psicólogo é exigido no tocante a responsabilidade de seu julgamento. Ao avaliar um detento para a elaboração de uma avaliação de soltura, o psicólogo deverá ter habilidade para detectar a mentira, pois será um dos responsáveis pelo seu ajustamento à sociedade. Ao fornecer um laudo de guarda de filhos para um juiz, ao lidar com crianças e os seus respectivos familiares ou ao selecionar um funcionário para uma empresa, o psicólogo deve estar atento à possibilidade de dissimulação.


As mentiras em situações sociais são frequentes e nem sempre danosas. Por exemplo, quando se serve uma comida da qual não se gosta, a pessoa pode mentir para não ser desagradável

Comportamento não verbal

O comportamento não verbal é muito mais influente do que a maioria das pessoas admite. Mentimos mais facilmente com as palavras do que com os gestos, posturas e expressões faciais. É possível exibir um rosto enganosamente simpático, construir um sorriso falso ou fingir uma emoção que não se está sentindo, como tristeza ou raiva. As pessoas também podem ser falsas em suas ações e palavras, mas apenas quando sabem mais ou menos o que fazer com as palavras e com o seu comportamento. Logo, as pessoas são capazes de manipular intencionalmente seus gestos, posturas e expressões, mas não todos esses sinais.

A quantidade de pistas não verbais da mentira é imensa, por isso impossível de controlar. Além disso, as pessoas comumente estão mais preocupadas com o que dizem, do que com aspectos sutis de seu comportamento não verbal.

Embora o bom mentiroso emita um menor número de sinais com o corpo e a face, suprimindo a maior parte dos movimentos que evidenciam a mentira, restam quase sempre alguns pequenos sinais difíceis de serem suprimidos/eliminados (EKMAN, 1985; 2003; MORR IS, 1996; PORTRTELL A, 2006).

“Mentimos mais facilmente com as palavras do que com
os gestos, posturas e expressões faciais

Postura gestual

As pistas mais facilmente suprimidas na mentira são os gestos. Apesar disso, tanto as pessoas que mentem quanto a vítima da mentira, costumam prestar pouca atenção a esses, e, sabendo disso, poucas pessoas efetivamente procuram controlar os gestos. Por isso, gestos, posturas e movimentos do corpo podem se tornar uma fonte valiosa de informação no que se refere à mentira. Listamos, a seguir, alguns exemplos do comportamento gestual indicadores de mentira:
Emblemas: são os gestos que em uma determinada cultura, possuem um significado preciso, sendo usados no lugar de uma palavra ou quando não se pode falar. Por exemplo, balançar a cabeça afirmativamente, em sinal de ‘sim’. Os emblemas, aparecem cordados e/ou incompletos quando uma pessoa mente, aparecendo, fora da região de apresentação (entre pescoço e quadril).

Como exemplos de emblemas na cultura ocidental, podemos citar o levantar de ombros em sinal de interrogação ou incerteza, e o balançar da cabeça em sinal de ‘sim’ ou ‘não’. Ao mentir, é comum as pessoas levantarem sutilmente um dos ombros antes de responder a uma pergunta. Ou, acenar, sutilmente, negativamente com a cabeça, enquanto respondem que ‘sim’ a uma pergunta.

Ilustradores ou sinais de batuta: os ilustradores ou sinais de batuta são gestos diretamente ligados à fala e servem para enfatizar ou ilustrar o discurso. Pesquisas sobre a mentira indicam que as pessoas ao mentir tendem a usar uma menor quantidade de ilustradores. Ou seja, as pessoas fazem menos gestos com as mãos. Além disso, esses gestos, em geral, aparecem fora de sincronia com o discurso quando alguém esta mentindo. Por exemplo, ao enumerar tópicos ilustrando com os dedos (um, dois, três, quatro etc.), os gestos de enumeração aparecem atrasados em relação à fala da pessoa.

Manipuladores ou adaptadores: esses gestos não estão diretamente relacionados à fala. Caracterizam- se como movimentos de automanipulação, como esfregar as mãos, coçar o nariz, encobrir a boca com a mão, passar a mão pelo cabelo, coçar o queixo etc. A frequência de manipuladores, em geral, aumenta quando estamos tensos e ansiosos, não necessariamente quando estamos mentindo. No entanto, como muitas pessoas sentem-se tensas e ansiosas ao mentir, os manipuladores tendem a aparecer nessa situação, em função de desconforto psicológico e/ou ansiedade.


A mentira, às vezes, pode ser perigosa para os envolvidos. É o caso da criança que, por diversas vezes, comparece às aulas com machucados, e que diz que está sempre caindo, com isso o professor deixa de perceber a situação de violência doméstica


Mudanças posturais:
ao mentir as pessoas tendem a executar um maior número de movimentos e mudanças de postura. Esses movimentos podem ser interpretados como intenção de fuga, que não se concretiza, mas ainda assim, se manifesta de forma parcial. Mudanças posturais, necessariamente, não significam mentira, podendo ocorrer quando a pessoa está desconfortável fisica ou psiquicamente.

Uso do espaço: pessoas honestas e confiantes tendem a ocupar mais espaço do que as que se sentem menos seguras, que tendem a ocupar menos espaço, mantendo braços e pernas perto do corpo, bem como esconder as mãos. Enfim, pessoas menos seguras tendem a encolher-se de alguma maneira. No entanto, usar menos espaço não garante que a pessoa esteja mentindo, e sim de que ela está insegura.

Paralinguagem: a paralinguagem pode ser definida como toda a atividade comunicativa não verbal que acompanha o comportamento verbal, propriamente dito. A paralinguagem refere-se aos componentes não linguísticos que aparecem na fala, por exemplo, a velocidade da fala, as pausas, erros no discurso, volume, tom de voz etc.

Embora tenhamos grande controle sobre o conteúdo de nossa fala, a paralinguagem pode nos trair, fornecendo pistas de que estamos mentindo. Logo, é necessário ser um mentiroso profissional para não cometer enganos, sendo que as pessoas comuns frequentemente fornecem pistas por meio da paralinguagem de que estão mentindo.

Olhando a mentira

O olhar contribui para a detecção da mentira, segundo o Laboratório de Expressão Facial da Emoção, da Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade Fernando Pessoa. O procedimento consistiu na identificação e reconhecimento da mentira por meio de histórias verdadeiras e falsas, às quais se associava um determinado tipo de olhar (direto, evasivo, objetivo, direito, esquerdo, frente, perfil, miose, midríase, normal, para cima, para baixo, ao centro). Os dados revelados seguiram esta ordem: da intensidade (midríase e miose), da incidência (evasivo), da inclinação (para baixo, para cima) e da lateralidade (perfil).


Omitir informação não pode ser considerado mentira em algumas ocasiões. Em um jogo de pôquer espera-se que o bom jogador blefe durante a partida

Listamos a seguir algumas alterações sutis na paralinguagem que podem indicar que alguém esteja mentindo:

          Discurso: ao mentir as pessoas perdem a fluência verbal, não conseguindo desenvolver o assunto. Algumas pessoas parecem ficar muito fluentes durante a mentira, porém, se o discurso dessas for analisado cuidadosamente, é possível verificar que o mesmo é vago e repetitivo. Ou seja, a pessoa fala, fala e não comunica nada. A repetição ocorre para ganhar tempo a fim de pensar na mentira que está contando.

Resposta: ao responder perguntas, a pessoa, em geral, hesita e fornece uma resposta curta. Aquele que dissimula pode empregar a tática do retardamento ao responder às perguntas, que consiste em ganhar tempo para se formular uma resposta. A versão mais comum dessa estratégia consiste em pedir ao interlocutor que repita a pergunta.

Pausas: as pistas mais comuns da mentira são as pausas, que se tornam mais frequentes e maiores durante a dissimulação. Isso ocorre porque aquele que mente precisa ganhar tempo para pensar na mentira que está inventando.

Tom de voz e volume: o tom de voz, em geral, torna-se mais agudo durante a mentira. No entanto, este pode ficar agudo também quando a pessoa está ansiosa. Ou seja, o tom de voz agudo não significa necessariamente mentira e, sim, nervosismo ou ansiedade. O volume da fala, por sua vez, torna-se mais alto durante o processo de dissimulação.

Erros no discurso: é comum que a pessoa cometa erros no discurso (gaguejar, trocar letras ou pronunciar palavras de maneira parcial) ao mentir. Esse tipo de erro denota que o dissimulador não elaborou adequadamente o seu plano, não supôs que iria mentir ou foi pego de surpresa por uma pergunta.


Em um relacionamento afetivo-sexual, quando se desconfia de uma traição, a mentira pode levar a quebra da confiança, e impossibilitar a continuação do relacionamento

Feedback sensorial

As pessoas possuem maior dificuldade de mentir com a face do que com as palavras, sendo que ao falar podem monitorar suas palavras através da audição. O mesmo não ocorre com as expressões faciais autênticas que, além de não possuírem um sistema de feedback sensorial, são involuntárias e possuem um tempo de duração relativamente curto. Inibir uma expressão facial verdadeira pode ser muito difícil, e nem sempre estamos atentos o suficiente para antecipar a sua ocorrência e controlá-la a tempo de escondê-la por meio de outra expressão.

Por outro lado, podemos dizer que demonstrar na face uma emoção que não é sentida nem sempre é possível, porque as vias neurais subjacentes às expressões espontâneas (verdadeiras) e às posadas (falsas) são diferentes, e os músculos faciais respondem de maneira diferente a estímulos provenientes de cada uma.

Identificação da mentira

Primeiramente, é necessário fazer uma análise global do comportamento não verbal do interlocutor. Isto é, não é possível dizer que alguém está mentindo porque percebemos um ou dois sinais de mentira.

Não há um sinal particular que indique mentira, ou seja, nenhum gesto, expressão facial ou mudança na paralinguagem que por si mesmo signifique que a pessoa está mentindo. Nenhum comportamento isoladamente indica com toda a segurança que uma pessoa está mentindo. A análise do comportamento não verbal da mentira deve ser realizada levando-se em consideração vários comportamentos não verbais. Em suma, para fazer uma análise correta é importante constatar a presença de uma série de sinais indicadores de mentira. Além disso, as pistas não verbais da mentira não são as mesmas para todas as pessoas, que fornecem um conjunto de pistas não verbais diferentes ao mentir.

Em segundo lugar, devemos ter cuidado para não confundir, nem interpretar como mentira sinais de ansiedade, medo ou de desconforto emocional ou físico. Por exemplo, os manipuladores e mudanças posturais podem aumentar durante a mentira. No entanto, não podemos afirmar que uma pessoa está mentindo tomando apenas como base estes gestos, que também costumam aumentar durante o medo ou quando a pessoa está desconfortável.

Finalmente, antes de suspeitar que alguém está mentindo, é importante conhecer o comportamento usual da pessoa, obtendo assim uma linha de base de seu comportamento. Ou seja, antes de suspeitar de dissimulação é importante conhecer o comportamento natural da pessoa. Por exemplo, se uma pessoa costuma contar usando todos os dedos e, em uma determinada situação, conta apenas com o dedo médio em riste, podemos suspeitar que está tentando dissimular a emoção de raiva. Porém, se costuma contar utilizando apenas o dedo médio em riste, esse sinal faz parte de seu comportamento natural.

Aceitar a verdade

Pesquisas indicam que conseguimos identificar melhor a dissimulação depois de ter acesso à linha de base comportamental do nosso interlocutor. Por isso, ao tentar identificar a mentira por meio de indícios não verbais, sugerimos que se passe algum tempo analisando o comportamento não verbal geral de seu interlocutor. A chance de uma pessoa sem treinamento identificar a mentira corretamente é de 50%, ou seja, o mesmo que o acaso.

Conheça algumas pistas faciais que podem indicar quando alguém está mentindo.

Timing: as expressões verdadeiras são muito rápidas, enquanto as falsas tendem a permanecer mais tempo na face.
Localização: refere-se à sincronia das expressões faciais com as palavras e movimentos do corpo. Na mentira, a expressão da emoção aparece segundos depois do pronunciamento das palavras.
Piscar: as piscadas tendem a aumentar (frequência e tempo de duração) quando existe conflito entre o que se pensa e o que se fala.
Expressões assimétricas: as expressões verdadeiras são simétricas, as falsas são assimétricas.
Sorriso falso: utilizado para tentar encobrir uma emoção negativa. Este sorriso é assimétrico, há mistura de emoções na face, aparece e some do rosto de repente e é exagerado, com alterações de intensidade.
Fuga do olhar: o bom mentiroso é capaz de sustentar o olhar durante a dissimulação, mas esta pode ocorrer quando ele precisa responder perguntas capciosas.


As expressões faciais autenticas não possuem um sistema de feedback sensorial, e por isso são involuntárias e possuem um tempo de duração relativamente curto. Expressar uma emoção que não se sente nem sempre é possível

Identificar a mentira não é uma tarefa fácil. Segundo Ekman (2005) as pessoas gostam de acreditar no que lhes é contado. São poucas as pessoas que percebem, sem grande resistência, que estão sendo traídas ou que seus filhos estão usando drogas. Para aceitar algo assim é preciso enfrentar o problema e, é justamente isso que a maior parte das pessoas quer evitar. Em função de mecanismos de defesa contra o que nos incomoda e tememos confrontar, as evidencias ligadas à dissimulação tendem a passar despercebidas.

Do ponto de vista evolutivo, não seria vantajoso ser um detector de mentiras perfeito, pois em grupos pequenos esse tipo de percepção muitas vezes acaba mal, uma vez que um dos envolvidos é retirado ou levado a se retirar do grupo (Ekman , 2005).

Embora a identificação da mentira por meio de pistas não verbais seja algo difícil de realizar, se considerarmos os três cuidados, enumerados acima, que devemos tomar, bem como aprendermos a analisar os sinais da mentira, é possível aumentar nossas chances de identificar corretamente quando alguém está mentindo com sucesso.

Mônica Portella é terapeuta cognitivo-comportamental, doutora em Psicologia (UFRJ), diretora científica, coordenadora e professora de cursos de pós-graduação do Centro de Psicologia e Formação em Terapia Cognitivo-Comportamental (CPAF-RJ).

Maurício Canton Bastos é terapeuta cognitivo-comportamental, doutor em Psicologia (UFRJ) e diretor técnico do CPAF-RJ.

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